Rio Branco-Acre DOMINGO, 14 de dezembro de 2003.
DEDOS DE PROSA
O Tão Acre do Zé Leite
José Chalub Leite se não fosse jornalista, queria ser jornalista.
Começou sua vida profissional em 1662, a convite do também jornalista Lourival
Messias do Nascimento. Com um texto que primava pela irreverência, José Leite
escrevia em maio de 19896, na Revista N’ativa O Acre esqueceu do passado aos
pulos, acerca da modernidade que não era encarada com muito entusiasmo por ele.
José Leite faz referencias as mudanças ocorridas a formas dos políticos
atuarem, á liberdade de imprensa e a vida na cidade de alguns aos a trás. A
seguir Dedos de Prosa transcreve parte do texto, com perguntas e respostas,
numa tentativa de resgatar o pensamento do jornalista que soube interpretar o
seu tempo.
Edição Especial
Jirau –
como você analisa as mudanças acorridas no Acre?
José
Chalub Leite – As coisas aconteceram tão velozmente no Acre que nem deu pra
sentir, quanto mais notar o que o tempo borbulhantemente fugaz aprontou
conosco. Dispararam as décadas espacialmente, os anos embranqueceram os cabelos,
a rugas tomaram de assalto a cara. O presente avata-se em passado e futuro,
entrando de sola deixam-nos perplexos a questionar onde é que o diabo se escondeu
o ontem da cidade e o das criaturas? Decerto é porque o tempos que faz as
coisas tão naturais como a própria natureza, torna os leões mancos, desengana
os desenganados e triunfa da vida.
Por que
o Acre é “a terra do que já teve”?
No Acre e aqui entenda-se Rio Branco,
vivenciamos uma época em que os mortos eram nossos, e os vivos bons amigo.
Pode-se sem medo e receio de cometer injustiças afirmar que “essa é a terra do
que já teve”. Sem saudosismos, ante certas “modernidades” é imprescindível
derramar o querosene da ironia e riscas o fósforo da zombaria para queimar tais
surtos progressistas de ficção que rancamente, quase nada somaram como fator de
avanço por que são mais demodês e rococós que andar pra frente. Exemplos
abundam na cuia grande.
Como
era o Acre a alguns anos?
O Acre
d’antanho foi bom de viver, mas ninguém sabia. Sem pontes, descia-se e subia-se
escadas íngremes, pegava-se a catraia sob o sol ou chuva, com a vantagem de
engrossar coxas e pernas e arejar pulmões, na salutar pratica de pedestrianismo
que tornou rijos os corações dos citadinos ainda hoje lonjevos.
Nas melhores famílias aprendia-se a tocar violão, o piano na sala nobre, não
era enfeite que nem pinguem de geladeira. Como o telefone era inconfiável, a televisão
uma utopia e o futebol só aos domingos, as pessoas amigas se visitavam e
adotavam a hoje espantos e inacreditável, pode crer, a arte da conversação,
pondo em dia assuntos variados com destaque para os pobres das vítimas ausentes
aos saraus das alegres comadres de línguas amoladíssimas. De tudo se sabia,
então, porque na teoria o Acre era uma só família em que todos se conheciam.
E como
era a política?
Aqueles idos territoriais,
entretanto, produziam mazelas em nada palatáveis, como abusivo, insano e
afronto poder de juiz, padre, governador e tuxaua político, temidos pelas
ruindades que perpetravam contra o cidadão desvalido e o partidário subitamente
em desgraça. Os
políticos tinham vergonha na cara, eram fieis e submissos ao partido e aos seus
caciques na derrota e na vitória, não praticavam o troca-troca de grei a cada
gangorra eleitoral, como é usual atualmente virar casaca, sempre que pesa o
valor das conveniências e os intere$$e$ patrióticos no bolso desses
energúmenos. Essa “modernidade” nunca foi apresentada ao pretérito, aos
íntegros e severos homens públicos.
Quais as diversões do rio-branquense?
Programa imperdível: apreciar o
Cine Teatro Recreio mais um episódio de “A Deusa de Joba”, “A Marca do Zorro”,
“A Adaga de Salomão” e o passo seguinte lamber sorvete no pavilhão do Mustafa
Zacour El-Hindi e mitigar a sede com o guaraná Libertador, cada garrafa um
sabor, cada gole uma dor.
Como se comportava naquela época a imprensa?
Com
substância, qualidade e independência. Os escritores sabiam escrever, polemizar
e discutir os atos e os fatos, sem apela para a vulgaridade. Só chegava a
jornalista aquele que dominava o idioma e detinha cabedal de conhecimentos. Valia
esperar o domingo para ler “O Acre” hosanando corajosamente os feitos
mirabolantes do governador do dia, inteirar-se de seus podres com “O Liberal”
do Foch Jardim, admirar sem compromissos a coragem tresloucada da “Renovação”
nas críticas ferozes e corrosivas do Rufino Vieira e do Geraldo Mesquita contra
os mandões, mandriões e lunfas de gravata borboleta e deliciar-se com “O Povo”
de Garibaldi, sempre a favor dos ricos e poderosos que bancavam sua teimosia de
fazedor de jornais. Gari já naquelas épocas pespegava o tipo “O Acre também
para os acreanos”. Um visionário... Eram folhas essencialmente implicadas com
temas da terrinha, impressos em papel manilha, verde, amarelo, encarnado, azul,
porque papel-jornal quem tinha era o governo. Apenas a imprensa oficial
dispunha de linotipos e impressora plana, os demais se viravam na composição
tipografia, “a dedo”, “tico-tico”, imprimindo uma página de cada vez em máquina
pedal.
O acreano gostava de ler?
Acreanos daquelas épocas cultivavam um costume certamente reprochável atualmente: liam clássicos, aventuras,
romances, folhetins, que então livro era o pão do espírito. A história do Acre
era sabida de cor e salteada nas escolas; os veteranos da revolução Acreana
hauriam honrarias e reverências todo 6 de agosto e 24 de janeiro. Concluía-se o
primário e o ginásio com lastro cultural de verdade, ancora do saber que
perdurava até o ultimo suspiro.
E hoje como está a cidade?
A pequenina metrópole cresceu aos saltos, pulos e solavancos. Rio branco
inopinadamente inchou como barriga de afogado. Os carros entopem as acanhadas
ruas, a violência tomou corriqueiro o dia-a-dia, do povo que sequer se indigna
com o cortejo de maldades que o homem é capaz de aprontar com o semelhante com
a certeza da impunidade. O avião a jato, a minissaia, a pílula anticoncepcional,
a cocaína, o uísque 12 aos, o motel as menininhas de programa, a televisão
colorida, os DAS perdem de goleada apenas para os corruptos (aliás, colarinhos
brancos), mas pintaram inauguralmente antes do elevador e da escada rolante,
esta ainda por vir, aqueloutra de escasso uso. Há luz 24 horas, a água tratada
jorra vez em quando das torneiras, mas ainda se morre de malária, tuberculose e
subnutrição, ou seja, fome.
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