É um
segundo da mais absoluta beleza. Dei sorte e flagrei novamente um desses
momentos. Geralmente, eles acontecem na rua. Lá vinha a loira. Minhas retinas
fatigadas fecham em close. Que maravilha. Aquele sorriso indecifrável. Porque
não se trata de um sorriso besta de alguma felicidadezinha passageira, de um
ganho financeiro, da sorte no amor. É mais enigmático.
Muito
mais do que o sorriso da Monalisa, que reza a lenda, era o sorriso de uma
grávida. Não é o sorriso dos paraísos artificiais dos remédios tarjas pretas ou
de alguma pastilha psico-délica. Nada. Não é apenas o sorriso de quem recebeu
uma notícia promissora, viu o regime fazer o efeito pretendido, uns quilos a
menos, nova silhueta, que beleza! Nem chega perto.
Também
não é o sorriso de quem ouviu uma cantada de amor com requintes de vida eterna.
Não é o
riso de quem ouviu uma piada, um “gostosa”, “tesouro”, como dizia o Didi Mocó.
É bem mais profundo. O poeta Manuel Bandeira, em correspondência com o cronista
Rubem Braga, dizia que se tratava de momento raro, ra-ríssimo, era mercadoria
que não tinha preço, êxtase, coisa mais linda... Mas não arriscou um
diagnóstico. Nem entrou no mérito, observou, e pronto, basta.
Será que
a moça que vem na calçada ri de alguma coisa que despencou-lhe, naquele exato
instante? Alguma coisa muito engraçada dos tempos em que ela era uma pequena,
uma piveta, quem sabe uma queda de uma perna-manca ao subir em uma casa
destelhada na frente da casa?
Às vezes
parece um pouco com um certo sorriso de maldade. Uma pontinha de vingança, quem
sabe. Mas que nada. Só parece. Nada disso. À medida, mesmo naquele rápido
segundo, que os lábios voltam ao normal, desfazendo o sorriso, vê-se que não
tem nada de maldoso naquele retrato.
Muito
menos é tingido pelo gloss sabor uva da ironia ou o batom vermelho das
vingativas. Não, não é nada irônico, nada ressentido.
Quanto
mistério num sorriso de tão pouco tempo. Daria uns cinco anos de vida em troca
do esclarecimento desse enigma de um segundo. Chego até a refletir, cofiando a
barba rala: será que é consciente, será que elas sabem que o misterioso sorriso
toma conta do rosto naquela hora?
Não,
também não é só sexo. Por mais que o gozo, a pequena morte, como dizem os
franceses, faça bem à pele e seja motivo do carnaval particular no peito, não é
esse ainda o motivo isolado daquele sorriso, um sorriso mais invocado do que o
sorriso do gato de Alice.
Gastaríamos
telas e mais telas, em especulações ainda sem rumo. Coisa de agoniar o juízo.
Melhor mesmo apreciar, estoicamente, esse lindo mistério das crias das nossas
costelas.