Ainda bem que as mulheres
ocuparam o mundo
Hoje, no Dia Internacional da Mulher, eu me percebo
cercado por elas. De manhã, logo cedo, uma gentil professora de pilates tenta
de forma aplicada e infrutífera me ensinar a pensar com o corpo. Aqui, no
trabalho, corro para entregar à exigente editora do site de ÉPOCA, Liuca
Yonaha, o texto que estava prometido desde ontem. Liuca cresceu no Rio, filha
de pais japoneses, e deve ser a única pessoa com feições orientais no Brasil
que fala com “sutaque carióóóca”, uma mistura que nunca falha em me espantar.
No site de Época, vejo o especial de Mulheres 7x7 e me lembro da Ruth de Aquino, criadora e animadora do blog, uma das pessoas mais destemidas
que eu conheço. Ruth, por carioca, me remete a Mirian Leitão, que vive no Rio e
vi na televisão outro dia conduzindo uma reportagem devastadora sobre o
desaparecimento de Rubens Paiva, o engenheiro que foi morto nas celas da
ditadura militar e cujo corpo continua desaparecido. Minha sensação, diante
dessas figuras femininas admiráveis que fazem parte do meu cotidiano, é que
todos os dias são dias de mulher. Pelo menos no mundo em que eu vivo. Pelo
menos para mim.
Por várias razões, eu me sinto privilegiado com
esse convívio. Penso que eu seria menos feliz se no meu universo profissional e
pessoal houvesse apenas referências masculinas, como costumava ser no passado,
como ainda é em outras partes do mundo. A presença das mulheres muda as coisas
para melhor. Elas chegam ao trabalho com uma aplicação que muitos homens já não
têm. Elas trazem de casa, dentro delas, um olhar que consegue ser mais
abrangente nas suas considerações. Elas colocam no que fazem uma intensidade e
uma emoção que o hábito roubou da postura masculina. E há uma integridade, um
jeito de estar inteiras nos lugares que os homens freqüentemente não atingem.
Nós, homens, somos cheios de caixinhas por dentro, divididos e regrados. Isso
pode, isso não pode. Isso me afronta, isso me gratifica. Nossas emoções são uma
confusão de caixinhas com tampas emperradas. As mulheres são mais inteiras,
naturais, provavelmente mais espontâneas – para o bem e para o mal. Às vezes
elas choram no trabalho, e está tudo bem.
Se isso parece uma apologia ilimitada e irrestrita
do sexo feminino, não é. Como todo mundo, já trabalhei com arrivistas
horrorosas, (mulheres obcecadas com seu próprio sucesso, incapazes de perceber
o outro), já tive algumas colegas de trabalho difíceis, já convivi de perto com
mulheres sacanas, bobas, frívolas e até venais. E tive, na vida pessoal, a
minha cota de desgostos com o sexo nem tão frágil. Mas, diante disso, por
alguma razão, nunca me passou pela cabeça fazer o que fazem os homens que não
gostam de mulheres: generalizar. Se ele foi traído, todas as mulheres viram
vagabundas. Se ele foi abandonado, todas as mulheres são levianas. Se a
ex-mulher tentou conseguir mais dinheiro dele, são todas interesseiras. Se foi
preterido na promoção, todas as chefes são idiotas. Esse tipo de generalização
é a marca registrada dos misóginos e dos machistas. Eles não dizem que “os
homens” são canalhas porque alguns abandonam mulher e filhos. Ou batem nas
companheiras. Ou bebem demais. Mas se uma mulher faz qualquer uma coisa dessas
coisas, pegam pesado: “Está vendo? Não prestam”!
Então, como hoje é o Dia Internacional da Mulher, e
eu vivo num mundo que está cheio delas – e quase livre de misóginos -, quem
comemora sou eu. Depois do trabalho, quero erguer um brinde ao avanço natural e
desejado do feminismo, que luta, simplesmente, por dar às mulheres mais
liberdade de escolha sobre a sua vida pessoal e profissional. Vou celebrar o
fato de que minha sobrinha, que tem 17 anos (acertei desta vez, Ju?), pode
sonhar mais alto, muito mais alto, do que a mãe, a tia e as avós delas. Vou comemorar
também o fato de que os meus filhos se tornaram adultos num mundo em que as
mulheres podem ser tratadas como iguais, tirando dos ombros deles a carga
triste e emburrecedora do machismo. E a noite, se tudo der certo, vou poder
abraçar a minha mulher, aquela que divide comigo as agruras e a felicidade de
estar vivo – e sem a qual o mundo, o vasto mundo, seria simplesmente um lugar
intolerável.
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