“Amar, além de muitas outras coisas, quer dizer
deleitar-se na contemplação e na observação da pessoa amada”, sopra o velho
escritor Alberto Moravia, sempre aqui na cabeceira.
Uma das melhores coisas da vida é observar a pessoa
amada que dorme, entregue, para além dos pesadelos diários.
Como bem disse Antônio Maria, o grande cronista que
aparece com ciúmes até da própria sombra no livro da Danuza, um homem e uma
mulher jamais deveriam dormir ao mesmo tempo, embora invariavelmente juntos,
para que não perdessem, um no outro, o primeiro carinho de que desperta.
Experimente você também, sensível leitora, ver o
seu homem quando dorme. Há uma beleza nessa vigília que os tempos corridos de
hoje não percebem.
Amar é… vê-lo(a) dormindo.
Cada mexidinha, cada gesto. O que sonha nesse exato
momento? Tomara que seja comigo, você pensa, pois o amor também é egoísmo.
Gaste pelo menos meia hora por semana nesse privilegiado observatório.
Psiuuuuu!
Ela dorme.
Mãozinha no ar, como se apanhasse pássaros, que
coisa mais linda. Uns 23 minutos assim, mirei no rádio-relógio. A mão desce ao
colchão, quase dormente, formigamentos. Coça o nariz. Põe a mãozinha direita
entre as coxas.
Agora vira de lado, como os antigos LPs quando
gastavam as seis músicas do A. E me abraça como nunca fosse partir, corpos
viciados, almas em busca de um acerto.
Dorme, meu anjo.
Ela obedece.
Vigio o sono dela como um soldado zapatista. Como
um cão zela o sangue do dono. Como se fosse um homem-exército e pronto.
Amar, no início era o verbo intransitivo da alemã
professora de amor de Mario de Andrade. O idílio tem sobrevida, não como
gênero, mas como vício, vício de amar. Amar de muito.
A mão desce agora sobre o meu peito, como se
medisse meus batimentos. A mão direita volta para a arte de apanhar pássaros,
que beleza, que diabos!
O ideal é que você, amiga leitora, durma do lado
esquerdo da cama, o do coração, sempre. Mãozinha no ar catando pássaros. Até se
acalmar de vez. Calmaria danada de horas, sem coreografias ou narrativas.
Sonha, sonha, sonha, minha menina.
Como é lindo a vigília ao sono dela.
Coça o nariz. Sussurra umas onomatopeiazinhas
lindas de sonhos de besouros. Ela arruma os cabelos como algas, entorpeço num
mergulho.
Observar o sono do(a) amado(a) é a melhor maneira
de mapear a sua beleza. É a melhor maneira de conhecer o homem ou a mulher com
quem dormimos.
E como são lindas aquelas marquinhas deixadas pelos
lençóis no corpo dela. Um mapa de delírios! Melhor é lê-las como quem adivinha
os sonhos e o futuro no fundo da xícara árabe ou nas cartas.
Xico Sá