Naquela manhã, lavou o rosto e fez a barba
correndo. Não prestou atenção no rosto cansado e nem nas olheiras escuras,
resultado de noites mal dormidas. Engoliu o café e saiu resmungando baixinho um
"bom dia", sem muita convicção. Desprezou os lábios da esposa, que se
ofereciam para um beijo de despedida. Não entendia porque ela se queixava tanto
da ausência dele e vivia pedindo mais tempo para ficarem juntos. Ele estava
conseguindo manter o elevado padrão de vida da família, não estava?
Entrou no carro e saiu. Pegou o telefone celular e ligou para sua filha. Sorriu quando soube que o netinho havia dado os primeiros passos. Ficou sério quando a filha lembrou que há tempos ele não aparecia para ver o neto e o convidou para almoçar. Chegou à empresa e mal cumprimentou as pessoas. A agenda estava lotada. Na hora do almoço, pediu à secretária para trazer um sanduíche e um refrigerante diet. Enquanto relacionava os telefonemas que deveria dar, sentiu um pouco de tontura.
Saiu para uma reunião já meio atrasado. Não esperou o elevador. Desceu as escadas pulando os degraus de dois em dois. Entrou no carro, deu a partida e, sentiu o ar começar a faltar... A dor foi aumentando... Tudo foi sumindo diante de seus olhos, ao mesmo tempo em que surgiam cenas de um filme que ele conhecia bem. A esposa, o netinho, a filha e, uma após outra, todas as pessoas de que mais gostava. Por que mesmo não tinha ido almoçar com a filha e o neto? A dor no peito persistia, mas agora outra dor começava a perturbá-lo: a do arrependimento.
Escutou o barulho de alguma coisa quebrando dentro de seu coração, e de seus olhos escorreram lágrimas silenciosas... Queria viver, queria ter mais uma chance, queria voltar para casa e beijar a esposa, abraçar a filha, brincar com o neto...