Aquilo que liga duas pessoas
existe além delas
A gente cresce acreditando no poder das
palavras. Desde criança, nos dizem que, conversando, seremos capazes de acertar
qualquer coisa, de resolver qualquer situação. Infelizmente, não é verdade.
Quando se trata de relacionamentos, as palavras são inúteis.
Os sentimentos apaixonados que nos ligam a alguém
não são criados por palavras. Os desentendimentos que aos poucos ou de súbito
nos separam da pessoa não são provocados por palavras. Os sentimentos de perda,
dor e morte causados pelas rupturas tampouco são remediados por palavras. As
palavras descrevem, celebram, exaltam e lamentam nossas paixões, mas não são
responsáveis por elas. Quando se trata de amor, as palavras são inúteis.
Não obstante, nós falamos. Cultivamos a ilusão de
que o outro pode ser envolvido, seduzido, convencido pela nossa retórica.
Acreditamos, fundamentalmente, que o nosso desejo pode ser transmitido pela
palavra. Por isso, telefonamos, mandamos mensagens, escrevemos longos emails,
rabiscamos poemas, fazemos letras de música, marcamos conversas dolorosas e
intermináveis que – a rigor – não levam a lugar nenhum.
Quando existe um sentimento comum, as palavras são
apenas acessórias. Quando não há sentimento, elas agem como um bisturi: cortam,
expõem e dilaceram, mas não criam.
Tenho a impressão de que aquilo que liga dois seres
humanos existe além das palavras. Uma magia de natureza física ou psíquica dita
que Fulana é atraída por Sicrano ou vice-versa. Isso acontece de forma
instantânea, ou pode ser construído lentamente, mas não sobre o alicerce das
palavras. As palavras são apenas a aparência do que nos liga. Quando as pessoas
conversam, trocam entre si códigos que vão além do que elas dizem. Há os olhos,
as mãos, o corpo e a voz, que sinalizam uma espécie de todo invisível. Há um
conjunto de sinais nos quais um se expressa e o outro se reconhece – e deseja,
ou não deseja. O sentido das palavras nessa troca é secundário. A mensagem
profunda sobre quem se é já foi passada antes.
Se isso não nos parece tão claro é porque vivemos
num universo revestido de palavras. Temos a sensação de que elas iniciam e
finalizam todos os atos, mas não é assim. As palavras são apenas sintomas.
Quando as pessoas se conhecem e se apaixonam, conversam da mesma forma como se
beijam, com fúria e com encantamento. No final, quando tudo acabou, as palavras
doem e escasseiam. Elas são repelidas pelo outro da mesma forma que o toque,
igual que o olhar. Temos a impressão de estar encerrando o amor com as
palavras, mas elas são apenas as flores do enterro. Quando chegamos a elas, o
desejo está morto.
Infelizmente, os ciclos de paixão e rejeição não
são simultâneos. Eu ainda estou cheio de palavras doces, mas você não quer mais
ouvi-las. Ou eu me dirijo a você com palavras de desejo e prazer, mas elas
deixaram de fazer sentido. Se você não sente mais o que eu sinto, não vai
entender o que eu digo. Nem será tocada pela magia das minhas palavras, que se
tornam inúteis. Quantas das nossas conversas não são trocas de palavras
inúteis? Tentamos transpor com elas o abismo da indiferença do outro.
Explicamos, sugerimos, argumentamos - inutilmente.
Então, economize palavras. Fique quieto e preste
atenção. Escute o que ela não diz. Entenda o que ele nem falou. Os gestos
contam coisas, os olhares antecipam. Atitudes valem mais do que declarações de
amor – e não podem ser substituídas ou consertadas por palavras.