Prossigo, ainda que a presença do inimigo a vigiar meus sapatos molhados, na rua sem trânsito, me devolva a impressão de ter regressado aos primeiros dias de treva.
Prossigo, apesar do pranto.
Apesar do medo e da sombra do inimigo na soleira da porta.
Apesar do medo e da sombra do inimigo na soleira da porta.
Prossigo, ainda que o rosto da menina morta tinja de sangue o branco da camisa e me falte amor na caminhada.
Prossigo, embora hoje eu não encontre um campo de flores onde repousar o corpo da minha amada.
Prossigo, apesar do ódio, da lama, embora a presença do inimigo me devolva a impressão de ter regressado aos primeiros dias de treva.
- Pedro Tierra, no livro “Poemas do povo da noite”
Este poema é dedicado à companheira Ana Maria Nacionovic, assassinada em junho de 1972.
[Poemas do povo da noite]. Os poemas de Pedro Tierra (Hamilton Pereira da Silva) foram escritos em centros de detenção e tortura (DOI-CODI e DOPS) e nos presídios que receberam prisioneiros políticos (Tiradentes, Carandiru, Barro Branco) nos piores anos e correram o país e outros países. Eram lidos e declamados em reuniões e atos dos movimentos pela Anistia e pela democracia.
0 Comentários