O homem dominado é um tipo clássico. Anda, porém,
meio esquecido por todos. Talvez o distinto cavalheiro tenha perdido a
importância diante da nova fêmea que manda no mundo. O domínio dela não é mais
novidade alguma, nem nos lares e muito menos nas repartições – o que obscurece
um tanto a figura desse orgulhoso e assumido pau-mandado.
Sim, o dominado, meu camarada, é bem diferente do
corno manso ou conformado, para usar uma terminologia cara ao heróico Waldick
Soriano. Os dois guardam uma distância regulamentar respeitável, embora ambos
façam parte do mesmo folclore das relações.
Um vídeo clipe que virou hit na internet, com a
música “Minha Mulher Não Deixa Não”, recuperou nos últimos dias o sentido
trágico e cômico da tal criatura dominada pela digníssima e irredutível esposa.
Eis o motivo para tirar a espécie do seu anacronismo e devolvê-lo à pororoca da
vida.
Gravada originalmente pelo grupo Aviões do Forró, o
chamegável breguinha faz sucesso agora
na versão (remix) do DJ Sandro, conhecido como “o moral do Paulista” na cidade
vizinha do Recife. No vídeo, com mais de um milhão de acessos no YouTube, dois
amigos tentam convencer outra dupla a fazer uma farra, pegar umas raparigas,
tomar uns gorós com sopa de cabeça de galo, entre outras extravagâncias.
No que o Dominado 1 e o Dominado 2, como são
creditados no final do clipe, respondem: “Vou não, quero não, posso não, minha
mulher não deixa não”. A coreografia tem tudo para virar a dancinha fuleira do
próximo veraneio. Cafuçu style é isso aí!
O homem sob o domínio e, eventualmente, sujeito ao
pau-de-macarrão na caixola, sempre foi visto como antes de tudo um frouxo. Sem
perdão ou condescendência dos outros marmanjos. Motivo de muita chacota. Nem o
corno manso, o seu primo-irmão de folclore, é tão perseguido.
Discordo dessa onda. Confesso que vejo até uma
certa beleza na obediência do bofe. Um rigor na entrega, afinal de contas, amor
é disciplina, como me sopra aqui a formosura chamada Lygia Fagundes Teles.
Ora, deixem o dominado em paz no seu feitio de
oração, no seu ajoelhamento diário no milho do amor e da sorte. O dominado é um
devoto que sente prazer em sacrificar seus próprios desejos mundanos. Tudo em
nome da sua mulherzinha, cria bíblica da sua costela.
A situação me lembra, opa, outra música, essa sim
um clássico de Luiz Gonzaga: “Vai boiadeiro que a tarde já vem/Leva o teu gado
e vai pensando no teu bem(…)/E quando eu chego na cancela da morada/Minha
Rosinha vem correndo me abraçar/É pequenina é miudinha é quase nada/ Mas não
tem outra mais bonita no lugar”.
Eis a delicadeza de obedecer. Se bem que no caso do
vaqueiro de Gonzaga, o demônio era mais abstrato, oculto, não estava
personificado, em carne e osso, como os colegas tentadores do DJ Sandro.
O cidadão dominado, porém, é mesmo um forte.
Resiste às tentações com louvor de um cristão ortodoxo. Eu admiro e bato
palmas.
texto Xico Sá
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