Por
Breno Rosostolato *
‘Vaidade,
definitivamente meu pecado predileto’, palavras do diabo, personificado
em John Milton, personagem de Al Pacino no filme Advogado do
Diabo. De fato, o pecado do orgulho é considerado o mais severo entre
todos, mas divide com a inveja a classificação do mais maligno, conforme
descreve Dante Alighieri, na Divina Comédia. Pecados que estão interligados e
que são, nos dias de hoje, aqueles que entorpecem, narcotizam, embriagam e
paralisam a sociedade, tornando os homens bestiais.
Orgulho
que fez com que Lúcifer, o anjo portador da luz e mais belo dos arcanjos,
pretensiosamente, quisesse o posto do Criador. Vaidade que sustentou a
rivalidade a Deus e que teve como consequência sua expulsão e queda do céu.
Queda tão brutal que fez das profundezas da terra seu refúgio, seu inferno, o
oposto ao paraíso divino. O inferno, lugar de condenação e sofrimento.
A
concepção do orgulho, atribuída a Lúcifer na tradição judaico cristã é
evidenciada no poema de John Milton: ‘Prefiro ser senhor do Inferno que escravo
no Céu’.
O
pecado capital é aquele que nos leva a cometer outros. Capital derivado de
‘caput’, que significa cabeça. Cabeça que é a morada de nossos anjos e
demônios. Por exemplo, o homicídio é o crime oriundo do pecado da ira. Mas de
todos os pecados, o orgulho é o mais poderoso, pois somos constantemente
envolvidos por nossa vaidade, tal qual Eva e Adão foram seduzidos pela
serpente.
Tentação
da qual não nos desvencilhamos. Ao contrário das certezas e
afirmações que insistimos em defender, das posturas e posicionamentos
soberanos, convicções intransponíveis, somos pela vaidade escravizados, expondo
nossas fraquezas e a contradição de nossos posicionamentos.
A
vaidade surge na ideia de abdicar o ‘nós’ e tornar-se apenas ‘eu’, tal qual o
Diabo em relação a Deus. Um ‘eu’ tão avolumado de ganância e cobiça que,
pesado, cai em si. Se destrói. Motivo este da igreja coibir tal pecado. A
beleza não poderia ser enaltecida, nem mesmo o amor próprio. Amor apenas a Deus
e assim, o ascetismo religioso vigora entre os homens. Os prazeres mundanos
devem ser aniquilados em prol da fidelidade e obediência ao Ser Supremo.
Narciso
é a imagem mais emblemática da vaidade do ser humano. Permanecendo imóvel à
contemplação ininterrupta de sua face, morreu diante de sua beleza e por sua
vaidade sufocante e atormentadora.
São os
altos preços que muitas pessoas pagam para satisfazer suas vidas. Buscam
preencher-se com aquilo que o espelho revela faltar. Procuram,
desesperadamente, curar o que não toleram na imagem refletida. Talvez a
sociedade esteja vivenciando uma de suas maiores mazelas, a automutilação. A
dismorfia corporal é o transtorno psíquico do momento, pautada por uma
preocupação exagerada com um defeito real ou imaginado na aparência física. É o
demônio que existe em cada espelho.
Para
enquadrar-se aos padrões impostos, nos sacrificamos. Nos baseamos em modelos
determinados e efêmeros, buscamos ser referência. A sociedade tornou-se
onanista, que reivindica seu prazer, mas para tal, corrompe, distorce,
maltrata, agride e açoita.
O
historiador Leandro Karnal nos brinda com uma reflexão: ‘por trás de cada
virtude existe uma exuberância que nos aproxima do vício’. A crença
contemporânea de que a virtude é a vaidade. Eis o que ele denomina como o homem
efêmero. Aquele que não suporta sua quietude, provavelmente porque assim terá
que refletir sobre a própria vida e, portanto, está sempre atrás do outro.
Prefere a falta de tempo, mesmo reclamando disso, do que o marasmo que
possibilita as verdades inaceitáveis.
Solícitos,
exigimos elogio e atenção. Nas redes sociais somos o retrato da perfeição. Um
paraíso de sorrisos e harmonia. Preferimos monólogos a diálogos. Quando o outro
fala, aproveitamos o ensejo para falar de nós mesmos. A vaidade é tamanha que
facilmente nossa onipotência se revela e não admitimos mais falhar.
Karnal
ainda insiste numa outra ideia, de que não consertamos as relações humanas, mas
as trocamos porque assim ganhamos originalidade. Dessa maneira, na nova pessoa
exploro o quanto sou interessante e instigante. Ele conclui: ‘E ao trocar
sapatos, computadores e pessoas que amamos por outras, vamos substituindo a dor
do desgaste, pela vaidade da novidade’.
Alimento
novos espelhos, novos reflexos, porque para alimentar minha vaidade, desejo que
o outro seja um reflexo meu, me admire e sustente meus caprichos. A
pessoa do passado me mostra o quanto sou desinteressante, desnecessário e
irrelevante. Talvez por isso, expressar a própria opinião tenha se tornado um
crime.
A
opinião contrária a minha é condenável, pura e simplesmente, porque não está de
acordo com meu espelho. O soberbo não divide espaço, apropriando-se dele e,
para tal, torna-se maioria em detrimento à minoria, supostamente, ignorante e
inadequada. O orgulho impossibilita que admitamos que as pessoas sejam
diferentes de nós e que de fato elas podem não gostar da gente. Bem que Caetano
já cantava, “Narciso acha feio o que não é espelho”.
* Breno
Rosostolato é professor de psicologia da Faculdade Santa Marcelina – FASM.
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