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Uma mulher na feira

Nada melhor que uma mulher que acabou de chegar da feira, em plena véspera de feriadão. Sacola na mão, fome de viver, sorriso de princesa.

Os vendedores de frutas, peixes e verduras são mestres na arte de reconhecer talentos e animar as moças com os seus adjetivos. Adjetivos às pencas, elogios às dúzias, mimos, dizeres, graças.
Meia hora de uma mulher na feira vale mais do que um mês de análise, do que a onda de orientalismos do mercado, do que a yoga, do que uma banheira de sais, do que um dia no Espaço Z.A...

Nem mesmo quando as mulheres estão acompanhadas, os feirantes dão sossego. Esperam você, se distanciar um pouco, dois, três passos, e tome gracejos e flertes à baciada.

“Olha a manga, gostosa!’’, bradam, administrando com malícia a vírgula e o duplo sentido na ponta da língua.

“Ovo e uva boa!”, arriscam para as elegantes damas de preto.

“Essa é modelo!”, capricham para as gazelas saltitantes.
“Se eu fosse um peixe, eu seria um namorado!”.

Eles vão no ponto, exatos como neurocirurgiões do desejo. Sabem de longe, por exemplo, quando uma mulher tem alguma encrenca com a idade. Em um segundo, sapecam um tratamento carinhoso: “Pra mulher nova, bonita e carinhosa, eu não vendo...eu me dou todinho!” E mais: “Só vendo pra menores de 18 acompanhada pelos pais”.

Em dias de chuva, mandam ver de acordo com o meteorologista: “Essa é enxuta até debaixo d’água’’, alardeiam.

Um bom feirante reduz até os efeitos de uma TPM, de uma dívida nunca paga, de uma culpa que corrói o juízo, de um regime ainda sem resultados, elas ainda não sabem que uma polegada a mais, uma a menos, pouco importa para quem tem gosto por mulher.

Nada como incentivar o caminho da feira mais próxima da sua casa para as mulheres.

Os feirantes não mentem jamais. Eles sabem, mais do que ninguém, que em toda mulher, seja quem for, existe um traço ou um aspecto de beleza.

Afinal de contas, mulher é me-tonímia, parte pelo todo, você passa a apreciá-la por uma boca, um pé, uma orelha, uma mão, um corte no joelhinho esquerdo, uma cicatriz de artes de infância, uma bela bunda faceira, uma falsa magra...

Na passarela dos feirantes, a insegurança feminina, mesmo naqueles dias em que o cabelo acorda brigando com as leis do cosmo, dissolve-se em segundos, num suspiro, na velocidade de um pastel.

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