Desde cedo é preciso ensinar valores para os filhos. Não roubar e não machucar o colega. Ser educado, humilde e obediente. É em casa que deve começar esse aprendizado, e a escola fica com a missão de reforçá-lo. E agora vai ser adicionado mais um valor para as crianças e jovens na sala de aula: não ser corrupto. A Lei estadual no 3.095, que versa sobre a temática “política, politicagem e conscientização contra a corrupção” no currículo escolar dos colégios da rede pública e privada, foi aprovada pela Assembleia Legislativa do Acre (Aleac) em dezembro de 2015, recebendo a sanção do governador Tião Viana no dia 23 de dezembro do mesmo mês.
A nova lei é clara. A temática não virará disciplina, mas vai ter que ser abordada de forma transversal nas escolas de ensino fundamental e médio, fazendo parte do currículo de colégios da rede pública e privada (sendo que nas privadas é facultativa a permissão da inserção deste tema). Deve fazer parte deste conteúdo programático ‘o estudo da história da política, prejuízos com a politicagem e a formação da sociedade contemporânea perante a corrupção, para que os mesmos venham desenvolver nos alunos suas ideologias éticas, morais e sociais, resgatando a contribuição de jovens na política acreana’.
Autor do projeto de lei, o deputado Jairo Carvalho conta que a ideia da lei surgiu de um paradoxo entre um cenário preocupante em face à esperança de mudar esta realidade. “Já fui vereador, e atualmente estou exercendo meu mandato como deputado estadual. Durante as andanças, vi muita corrupção. Quando eu explicava minhas propostas e ideias, muitas pessoas me pediam algo em troca. Queriam estipular preços por seus votos e pediam favores. Ou seja, o próprio político é abordado com estas situações constrangedoras. Temos que mudar isso”.
O parlamentar é convicto ao afirmar que o principal caminho para começar esta mudança é pela Educação, nas escolas. Por isso, ele enfatiza a importância de tal didática ser aplicada em todas as faixas etárias, crianças, pré-adolescentes e jovens, conforme determina a Lei Estadual. Só assim, acredita Jairo, o Brasil vai conseguir superar esta crise generalizada da corrupção.
O deputado também destacou o desafio atual, que é fazer com que a lei seja aplicada. “Já é lei. Foi aprovada pelo Parlamento e foi sancionada. É importante agora garantirmos o cumprimento dela. As escolas estão numa fase de adaptação. Já pedi uma reunião com o secretário estadual de Educação, Marco Brandão, para saber como está este processo de adaptação”.
Jairo Carvalho condicionou que o efeito social positivo desta lei só se cumprirá se houver parceria e cooperação entre as instituições. Nesse sentido, ele lembra que antes de ir para votação na Aleac foi enviada cópia ao Ministério Público e ao Tribunal de Justiça. Ambas as instituições do Judiciário demonstraram apoio à lei estadual. A desembargadora presidente do TJ/AC, Cezarinete Angelim, inclusive, colocou a Escola de Magistratura à disposição para assegurar a implantação com maior eficácia do ensino contra a corrupção.
Vale à pena ressalvar, por fim, que esta lei estadual do Acre já está se tornando referência nacional no âmbito escolar. Ao ser aprovada no Parlamento acreano, a repercussão foi grande. Reportagens de alcance nacional relataram o pioneirismo local com a lei. O blogueiro nacional Josias de Souza, por exemplo, comentou o assunto. Jairo conta, até, que pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina entraram em contato com ele para pedir informações sobre a lei e afirmando que iriam fazer estudos e trabalhos sociológicos sobre a questão.
Educadores passam por formação
Para colocar a lei em prática, torná-la real no dia a dia das escolas, é preciso toda uma logística e preparo para que a execução seja correta. A coordenadora de ensino da Secretaria Estadual de Educação (SEE), Rúbia Cavalcante, explica que o tema transversal estará em todas as disciplinas como Português e História, sendo debatidas nas salas de aula.
Contudo, até que isso se torne prática, a equipe da SEE vem trabalhando uma rede de formadores em todo o Estado, com o intuito de preparar os coordenadores para que eles possam multiplicar os conhecimentos aos professores.
“A equipe está trabalhando isso em formação continuada. Mas vale ressaltar que o conteúdo já existe na grade curricular do aluno. Faz parte das diretrizes e está no plano de aula dos professores debater o assunto corrupção e política dentro de sala de aula. Então não é nada novo. A lei veio apenas concretizar um trabalho já desenvolvido. E estamos trabalhando para otimizar isso”, explica Rúbia.
A coordenadora de ensino e a equipe da SEE fazem, durante todo este mês, um trabalho itinerante, passando em cada município do Acre para realizar a formação sobre a temática.
“A lei foi aprovada em dezembro, mas nós levamos um tempo para a fase de adaptação. É preciso passar ao professor o que ele pode usar com os alunos, quais textos trabalhar com os estudantes. É preciso que se entenda que não vamos trabalhar partido A ou B. Será algo totalmente didático”.
Rúbia destaca que outro desafio será encontrar uma forma de desenvolver o tema com alunos do ensino fundamental I. “Os professores precisarão passar esse assunto para as criancinhas de forma que elas entendam”.
Esse momento de adaptação, segundo a Secretaria de Educação, deve durar até o final de março. A expectativa é de que em abril a lei seja executada plenamente.
Aplicando a lei na sala de aula
O Brasil atravessa um momento de crise. E isso não é segredo pra ninguém. E se não é segredo o problema, o mesmo pode-se dizer da solução. Para a maioria dos brasileiros, a Educação é a grande aposta para que o país supere esta conjuntura adversa. E aí surge a questão: em uma crise de cunho ético e de incertezas no campo da política e da economia, na qual à corrupção é apontada como maior ‘câncer’ instalado no poder público, nas instituições e até mesmo no setor privado, em que parte entra a Educação? Como ela pode virar este jogo?
A resposta é fazer com que as escolas agreguem princípios éticos ao conhecimento. Essa é a proposta da Lei Estadual aprovada na Assembleia Legislativa do Acre, e já sancionada.
A coordenadora pedagógica da Escola José Rodrigues Leite (JRL), Carmen Almeida, e o professor de História, Fagner Morais Bezerra, conversaram com A GAZETA sobre este ‘novo velho’ desafio que estabelece a lei. Os dois docentes acreditam que é importante colocar e incentivar este debate nas instituições de ensino, uma vez que esta discussão sobre o combate à corrupção não é uma questão da atualidade. Já vem de longa data.
O grande problema da corrupção é que ela está enrraizada nas pequenas coisas. A um ponto em que atos antiéticos passaram a fazer parte do dia a dia das pessoas, em casa, no bairro, nos supermercados, nas salas de aula, em todo lugar. E estes pequenos gestos corruptíveis, frisa o professor Fagner Morais, acabam gerando nas pessoas uma grave inversão de valores que a escola precisa enfrentar. É aquela famosa impressão de que o bonzinho, o honesto, é bobo. Só se dá mal.
“Esse é o reflexo da sociedade. E esta temática do combate à corrupção tem que ser relacionada com conteúdo específico. Desde que se tornou República, em 1989, até os dias de hoje, o Brasil teve inúmeros casos de apropriação do poder público em prol dos interesses privados. Portanto, nas aulas sempre surge esta discussão. Ela é espontânea”, comentou o professor Fagner, acrescentando que este debate é positivo para o aprendizado do aluno e que deve ser feito com uma distinção clara do que é política e do que é partidarismo, conceitos que o acreano tende a misturar.
Nesta linha de raciocínio, a coordenadora Carmen Almeida complementa que esta didática de ensino será muito desafiadora para as escolas públicas acreanas, uma vez que a luta contra a corrupção deve ser transmitida aos alunos de forma isenta, imparcial, sem associar posições em torno dos temas dos debates. Mas sim apenas reforçando a relevância dos valores éticos.
“Este é o debate certo. E que precisamos fazer para sair da mesmice. As pessoas criticam muito as pequenas corrupções do cotidiano, e acham que não fazem parte disso. Acham que não são corruptas. Mas todos nós somos um pouco. Precisamos também parar de querer se afastar do problema, porque se não nos envolvermos, vamos continuar sendo representados por picaretas. Precisamos deixar de querer que os outros resolvam as coisas por nós”, completou Fagner.
Palavra de pai e mãe deve ser a mesma da escola
E aí surge um novo ponto a ser observado: como ensinar uma criança ou um adolescente em formação a ser ético? É impossível fazer isso sem entender que o aluno não apreende valores morais e cíveis apenas na escola. Todos os meios por onde ele anda estão propensos a lhe passar determinados valores, sejam estes bons ou ruins. E é nesse aspecto que tanto a coordenadora quanto o professor da JRL defendem que é preciso tratar deste assunto em harmonia com o meio social onde o estudante, teoricamente, mais capta princípios e valores: a família.
A casa de cada estudante é dotada de diferentes concepções do que é moralmente aceito e do que é imoral. Cada pai tem a sua. Cada mãe tem a sua. Inclusive, uma mesma família pode ter diferentes ideias de moral. E o jovem absorve bastante disso. É o famoso exemplo de casa.
“Quais são os alicerces da família? Hoje, temos uma realidade preocupante, na qual os pais muito focados em garantir o sustento da família, deixam a questão de transmitir os valores para segundo plano. Há pais que querem tanto dar ao filho um sapato para calçar, uma boa roupa para vestir, e acabam esperando que os filhos aprendam os bons costumes com as observações. E eles aprendem, de fato. Só que de uma forma deturpada”, assimilou Carmen.
Algo que reforça este pensamento é o ‘elogio’ que o pai faz o filho pequeno que apronta algo errado, porém, esperto e bem planejado. As pessoas ‘acham graça’ ver um ser tão pequeno e tão astuto. Ficam até convencidos pela ‘proeza’ do filho. Contam aos amigos. Mas não seria esse um estímulo à corrupção, a ideia de ‘se dar bem’?
A coordenadora pedagógica da Escola José Rodrigues Leite reforça que exigirá um esforço tremendo das escolas aliar as concepções de valores morais e éticos que serão passadas aos estudantes sem divergir demais dos exemplos que eles têm no seu lar. Todavia, ela defende que existe um padrão de comportamento, e este deverá ser o principal objetivo tanto das escolas quanto das famílias. Por conseguinte, não dá pra dizer com precisão o que vai acontecer a partir desta nova lei do ensino contra corrupção nas escolas. Se o aluno vai ser corrompido ou se ele vai moralizar os meios em que vive. Carmen prefere acreditar na segunda situação.
“Temos o plano de formar o aluno como um cidadão de bem. Que eles serão a gotinha no oceano. Temos que acreditar e trabalhar para isso”, esperançou a professora.
“Fora de casa, a escola é a principal instituição de caráter do aluno”
A mídia tem colocado o tema corrupção no centro dos debates. O assunto em evidência também chama a atenção de quem está sentado na carteira da escola. Em respostas sinceras, adolescentes fizeram uma análise com a visão da juventude sobre o que o tema tem a ver com a sociedade atual. Eles concordam com o debate sobre corrupção e apontam possíveis soluções.
Para os adultos, a palavra corrupção, ultimamente, é associada com os escândalos na política. No entanto, se você perguntar a um adolescente qual definição ele daria, a resposta iria apontar um problema bem maior.
“Corrupção é saber o que é o certo e fazer o errado para se beneficiar. É o uso do público para o benefício do privado. Esse tipo de corrupção ainda prevalece nos dias de hoje. A natureza do ser humano já é corrupta, porque você roubar alguma coisa do seu colega já é um tipo de corrupção”, afirma Andressa Albuquerque dos Santos, 16 anos.
A jovem estuda o terceiro ano do ensino médio e já se prepara para o Enem. Ela quer ser médica e fazer a diferença. E já sabe identificar alguns maus exemplos na área da Saúde. “O médico contratado para atender a população, que chega às 9h e sai uma hora depois, achando que já fez a sua parte, enquanto tem um monte de gente doente na fila do hospital, esse também é corrupto”.
Mas será que todos estão corrompidos? Para Andressa, o senso comum leva as pessoas a se acharem vítima e nunca se identificarem como corruptas.
Por outro lado, o estudante Luiz Bryan Villacosta Castillo, 16 anos, declara que a corrupção está mais frequente no dia a dia do que se percebe.
“Nós agimos errado quando usamos a fila do caixa rápido sendo que não é a nossa necessidade. Eu, por exemplo, quando estou muito cansado, pego o ônibus e entro pela área de desembarque. Aí eu deixo de pagar e não tem como a gente não se sentir corrupto nisso. Daí, penso que já fiz tanta coisa boa, que uma ruim não vai me prejudicar. Todo mundo quer sair beneficiado das coisas”.
A Lei 3.095/2015 também versa sobre a discussão de política em sala de aula. No entanto, os dois estudantes, Andressa e Bryan, revelam suas decepções com a área. Mesmo ambos tendo alcançado a idade do voto facultativo, 16, eles optaram por esperar um pouco mais.
“Para eu votar em uma pessoa, eu teria que ter confiança nela. Votar não é qualquer coisa. Veja só como está a situação do país. Tem tanta corrupção que eu não me sinto seguro para votar em ninguém. Se eu fosse ter que votar seria nulo. A pessoa pode ser sincera e querer fazer o bem, mas eu já não tenho confiança. Porém, se aparecer alguém que mostre serviço, de bom caráter, que faça o certo e queira subir mais na política, eu posso mudar de ideia e votar nele”, afirma Bryan.
Andressa não acredita que o mal da corrupção é incurável. Contudo, um país livre totalmente desse tipo de conduta é praticamente uma utopia.
“Sempre temos que ter esperança. Mas, vivemos em um país capitalista e as pessoas se corrompem muito com isso, de querer sempre estar na frente, de querer o poder. Então, é um pouco difícil alcançar essa meta de ‘não corrupção’. Alguém sempre vai querer burlar as regras”.
Sobre a nova temática que deverá fazer parte da rotina escolar em breve, Andressa acredita que qualquer tipo de debate contribui para a formação da opinião da pessoa.
“Fora de casa, a escola é a principal instituição de maior caráter do aluno. A escola está com uma metodologia de debate. Isso vai nos permitir argumentar. E ter essas aulas nos ajudará a fazer entender e nos fazer ser entendidos. Então, talvez, nós conseguiremos mudar a opinião dos outros para o bem”, aponta.
Posicionamento esse compartilhado pelo colega Bryan. “No momento em que a criança está formando o seu caráter, aquele ensinamento vai estar sendo fixado nela. Ela vai crescer com essa ideia de que corrupção é errado e de que deve fazer o certo”.
Vai fazer a diferença, a longo prazo
Um país não cai em contradições morais da noite para o dia. Séculos de fatos históricos são necessários. Sendo assim, é natural que o processo oposto aconteça na mesma proporção. Curar as feridas dos males causados pela corrupção é uma medida que deve ser tomada agora. No entanto, as cicatrizes levarão tempo para desaparecer.
Os professores Carmen Almeida e Fagner Morais acreditam que o propósito de ensinar a criança e o jovem a lutar contra as pequenas tentações da corrupção desde cedo é que eles sejam a esperança de uma nação melhor no amanhã. Mas, eles alertam que esta é uma medida a longo prazo. Talvez não seja esta geração que vai conseguir ver o Brasil do futuro, mais pautado nos princípios da moral e da ética. É provável que só seus filhos, ou, quem sabe, seus netos, vivam para contar os dias em que este Brasil se tornará uma realidade concreta.
“Esta semente precisa ser plantada em algum momento. Que seja agora”, finalizou a coordenadora Carmen Almeida.
Fonte: Jornal A Gazeta do Acre
Fonte: Jornal A Gazeta do Acre