
Maria Rosa de Almeida, a dona Maria Baiana, frequentava a Missão religiosa de Mestre Daniel Pereira de Mattos escondida do marido, alcoólatra e violento. Tinha medo de ser assassinada por ele, durante as suas bebedeiras. Daniel havia se instalado na Vila Ivonete (Rio Branco-Acre) e ali desenvolvia trabalhos espirituais com o Santo Daime (Ayahuasca), navegando na sua Barquinha sobre as ondas do Mar Sagrado.

Pessoas humildes com problemas de saúde, dor de dente, espinhela caída, dificuldades familiares e alcoolismo recorriam a Daniel em busca de ajuda. O encontravam sentado num banquinho, lenço branco amarrado na cabeça, com quatro nós dados nas pontas, pronto para atender, conversar, aconselhar, ensinar remédio caseiro, banho de ervas… Dele recebiam uma palavra amiga, um conforto e a cura através do Santo Daime.
Dona Maria Baiana sofria no plano material e espiritual desde muito jovem. Quando chegou à Casa de Daniel para tratamento, deu-se continuidade ao seu desenvolvimento mediúnico iniciado ainda em Jacobina, na Bahia, e ela foi incorporada ao quadro de médiuns da casa, trabalhando com a entidade que lhe assistia, de nome Jatupiaçu.
— Não minha filha, ele não vai lhe matar. Ele vai se firmar no caminho desta Casa.
Dizia Mestre Daniel sobre o marido dela, Juarez Martins Xavier.
Maria Baiana ria, “mangando” dele, desacreditada das palavras do velho mestre e dos seus dons de clarividência.
Dois meses depois do desencarne de Daniel (13/07/1888 – 08/09/1958), um vizinho, adepto da Doutrina e morador da Rua 1º de Maio, convida seu Juarez para conhecer a Igrejinha de São Francisco. Marido e mulher vão juntos.
— Eu quero tomar esta bebida!
Falou Juarez Xavier. Como desconhecia que sua esposa frequentava a Casa e bebia o Daime, tratou de proibi-la:
— Você não vai tomar não!
Seu Juarez bebe da Santa Luz do Daime dado a ele pelo sucessor de Daniel, o sr. Antônio Geraldo da Silva.
Vinho das almas, liana dos espíritos, cipó dos mortos. O Daime é o vinho do êxtase espiritual. E depois que provou do vinho do êxtase espiritual Juarez soube que nenhuma outra experiência podia ser igual.
Ele reconheceu que os prazeres que o álcool lhe proporcionara foram transitórios, e terminaram por lhe trazer a infelicidade. Mas a sagrada bem-aventurança da Luz do Daime nunca teria fim.
Na miração Deus fez com que Juarez experimentasse esse sagrado estado mental, imerso na paz curativa. A alegria divina o elevou em Espírito. Ao sobrevir o profundo êxtase de Deus os seus pensamentos se aquietaram, banidos pelo comando mágico da alma.
Ao beber a bem-aventurança Divina, que é o Daime, Juarez experimentou uma embriaguez de alegria que nem todo álcool do mundo poderia lhe proporcionar.
Depõe Juarez Martins Xavier:
— Aí eu tomei Daime a primeira, a segunda, a terceira vez. Antes disso eu bebia, eu jogava, fazia tudo quanto era coisa ruim. Mas foi com 33 anos de idade que saí da vida, morri de uma vida e surgi para outra. Encontrei todo o meu passado. Todas as coisas ruins que eu havia feito a Santa Luz me mostrou. Esse foi o último dia que coloquei álcool na minha boca.
E continua:
— Eu disse: essa bebida tem verdade dentro dela e não mentira. Desse dia em diante me tornei um homem completamente diferente devido aos ensinamentos que a Luz me mostrava.
Chegada de Juarez Martins Xavier ao Acre

Logo começou a trabalhar. Primeiro como servente de obras e depois foi alçado à condição de pedreiro. Ajudou a construir a Catedral de Nossa Senhora de Nazaré.
Aos 18 anos, Juarez Martins foi convocado a se alistar no Exército Brasileiro e lutar nos campos de batalha da Itália (2ª Guerra Mundial). Foi enviado para Manaus (Amazonas) a se preparar para o confronto.
Próximo do dia de Juarez embarcar para o grande conflito, a guerra acabou. Com isso, o jovem voltou para casa. No Acre novamente, Juarez trabalhou como guarda territorial; na impressão gráfica de um jornal e conseguiu um emprego na Secretaria de Saúde estadual, na parte do laboratório, no qual viria a se aposentar.
Adulto, casado e pai de dois filhos, Juarez padecia com o vício da bebida alcoólica e da jogatina, sofria e fazia sofrer os seus, principalmente a amada esposa, dona Maria Rosa. Nessa agonia viveu muitos anos. Foi quando Juarez teve a oportunidade de experimentar a Luz do Santo Daime e renasceu como homem de Deus.
Curado dos males do alcoolismo e da vida desregrada, Juarez não retornou a Igrejinha de São Francisco por longos quatro anos. Porém, permitiu que sua esposa, dona Maria Baiana, lá trabalhasse como aparelho das entidades curadoras.
Depois desse período, permeado por doença física e atribulações, Juarez voltou àquela Casa Espírita e se tornou um colaborador, trabalhando nas Obras de Caridade em benefício dos irmãos encarnados e desencarnados.
Neste momento, sob a direção do presidente Antônio Geraldo da Silva, o Centro Espírita Casa de Jesus – Fonte de Luz passa pelo processo de institucionalização, e é instituído o fardamento, ingresso formal dos participantes na Doutrina de Mestre Daniel, como “soldados dos Exércitos de Jesus” — Juarez Martins e Maria Rosa são alguns dos primeiros “fardados” daquela Casa de Luz.
No ano de 1965 o casal se afasta daquela Igreja para, em 24 de julho de 1967 fundar o “Centro Espírita Luz Amor e Caridade”, localizado na Estrada do Amapá, km 3, zona rural de Rio Branco, às margens do Rio Acre.
Mestre Juarez afirma que ele e sua esposa receberam Ordem Superior para fundar este Centro e desenvolver a sua Missão Espiritual.
Surpreendente nesta história é que o centro ayahuasqueiro fundado por Juarez Martins Xavier e Maria Rosa de Almeida é a quarta casa de religiões da Ayahuasca mais antiga do Mundo Terra. Veio depois do Daime do Mestre Irineu (1930), da Barquinha de Mestre Daniel (1945) e da União do Vegetal de Mestre Gabriel.
A princípio, participava dos trabalhos apenas a família, mas logo outras pessoas começaram a conhecer o Daime de seu Juarez e dona Maria Baiana. É uma igreja daimista pequena, em média 35 pessoas frequentam o Centro Espírita Luz Amor e Caridade. Tem baixa renovação geracional, porém é um centro espírita tradicional e consolidado, e sobreviverá à morte física de seu líder.
Eu, Juarez Bomfim, conheci o meu xará Juarez Xavier quando em visita àquele singular complexo religioso, no ano de 2006. Nós, os ‘Juarez’, somos raros, somos poucos. Dos milhares de alunos que já passaram por minha sala-de-aula nenhum chamava ‘Juarez’. Prezo em ter conhecido esse mestre ayahuasqueiro que tinha o mesmo nome meu.
A dificuldade de acesso ao lugar é crônica, quase inacessível no inverno acreano. Chegamos à localidade numa caminhonete ‘traçada’ em pleno verão, mesmo assim com dificuldade.
No complexo religioso despertou-me a atenção que, logo à entrada e no centro de tudo, o que seria uma praça, de fato é um cemitério, a se destacar o grande túmulo da idealizadora do lugar: dona Maria Baiana, esposa do seu Juarez.
Esta é uma característica arquitetônica dos centros que seguem a Doutrina de Mestre Daniel, onde não existe uma fronteira rígida entre o mundo dos vivos e dos mortos, e esse atributo é trazido para o plano material, na arquitetura de alguns dos complexos religiosos desta linhagem.
Mestre Juarez me convidou a retornar em uma sessão de sábado, pegando carona no batelão de propriedade do Centro Espírita, que subia o Rio Acre levando a irmandade residente em Rio Branco para alcançar esta Casa de Jesus e da Virgem da Conceição.
Diferente do calendário intenso das outras casas da Barquinha, as sessões deste centro daimista ocorrem quinzenalmente ou — durante as Santas Romarias — todos os sábados. Isso talvez por distar da área urbana da Cidade de Rio Branco e pelas dificuldades de acesso.
A estrada para o bairro do Amapá foi melhorada, porém o ramal para a Igreja não. Quando, em novembro de 2014, Mestre Juarez completou noventa anos de idade, o presente que ele gostaria de ganhar era ver aquele ramal pavimentado.
Ah… e para aumentar os problemas, o barco da irmandade foi roubado.
Bem, em janeiro de 2015, por intermédio de uma amiga comum, agendei uma nova visita ao seu Juarez para entrevista e participação em um trabalho espiritual, que resultaria em um artigo aqui no Jornal. O seu internamento e posterior falecimento (04/02/2015) impediu a realização deste projeto.
Não pude entrevistá-lo, mas compareci ao velório. Esta amiga comum chorou copiosamente a morte do seu querido Padrinho e sempre me cobrava:
— Escreva a homenagem ao Padrinho Juarez! Não esqueça do meu Padrinho!
Quando das cheias do Rio Acre em fevereiro de 2015 o complexo arquitetônico do Centro Espírita Luz Amor e Caridade foi parcialmente destruído. Suas instalações ficaram inundadas.
A pequena e laboriosa irmandade se movimenta para soerguer o templo e dar continuidade ao trabalho espiritual desenvolvido por Mestre Juarez Martins Xavier, reconstruindo as instalações para dignamente receber a quem lhes procurar, louvando a Deus e a Virgem da Conceição.
E nesta Casa de Luz do Mestre Daniel Pereira de Mattos, o Barquinho Santa Cruz singra os mares sagrados, recolhendo as almas penitentes para entrega-las nos Santos Pés de Jesus.
Amém!
Fonte: Jornal Grande Bahia
Fonte: Jornal Grande Bahia
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