Passava das três da tarde quando fui chamado ao gabinete do vereador, um parlamentar de cabeça branca, fala enrolada e que sempre dizia sim para tudo e todos.
Bati levemente na porta, sem ninguém responder ou autorizar.
Abri sorrateiramente, ele me fez sinal, me posicionei no canto da porta como
quem chegou já querendo sair, ficando quieto como um gato ao chegar da rua. De
cara percebi quem eram as pessoas que o chefe estava a conversar.
Ele tenta desviar o assunto me apresentando para o diretor
que conhecia de vista e para aquela por quem me apaixonei no passado. Ela se
vira e ao me ver perde o rebolado e a linha do raciocínio. Em meio a uma
confusa tentativa de retomar o assunto, quando fui cumprimenta-la, meio que sem
jeito me abraçou, me olhou enquanto tocava o rosto a admirar.
Fui designado a acompanha-los até a saída. A sensação que
tive foi a mais comum de quem conhece uma amizade de internet pela primeira vez,
sempre com simpatia e sem muita emoção. Sim a emoção não era mais presente em
mim.
Já nela, tudo parecia uma mistura de sentimentos, admiração e
perguntas a serem feitas. Trocamos algumas informações de como andam as
famílias até ela perguntar por meu número. Sem pensar e automaticamente,
respondo que ainda é o mesmo que ela bloqueou. A justificava da moça foi de que
havia trocado de aparelho e perderá todos os contatos.
Passaram dois ou três anos e eu me encontrava em um novo
local de trabalho, precisavam de informações da repartição pública. Adivinhem
quem era a pessoa responsável pelo setor? Sim, ela mesma, a minha eterna
paixão. Onde dessa vez quase cedi aos encantos, onde com muita custa e luta,
consegui conter aos dois para evitar um beijo que desejava há anos atrás.
Mais uma vez mudará de emprego e alguém me observava. Pelo
canto do olhos pude ver de quem se tratava e com um abraço mais longo, me
informou onde estava sua sala e eu a minha. Chegou um grupo do seu setor, me
apresentou e ela saiu dizendo que precisamos sair.
Oito meses depois, descubro que ela separou ao avista-la de
longe e ao acenar ela vem para minha mesa, falamos do período em que ficamos
sem nos falar. Lembro que o relógio marcava uma da tarde até que fui
interrompido por um beijo inesperado que ganhei. Gostei tanto que só percebi
que já estávamos naquela valsinha há pouco mais de uma hora.
E ali dançamos
com os olhares, as mesas vizinhanças todas despertaram. E foi tanta felicidade,
que tudo se iluminou. E foram tantos beijos loucos, tantos gritos roucos como
não se ouvia mais. Que o mundo compreendeu e daquele dia em diante, o dia
amanheceu em paz.
Victor Augusto N. de Farias é jornalista, radialista e empresário
*artigo inspirado na música Valsinha de Chico Buarque e desenho de Milo Manara.