Rodrigo Augusto Prando*
Eis, agora, o último resultado da combinação de manifestação e violência: a morte do cinegrafista Santiago Andrade, de 49 anos, deixando esposa, filho e enteados. Eis, também, a “crônica de uma morte anunciada”, título da obra de Gabriel Garcia Márquez. No livro do autor colombiano, narra-se o destino, coincidentemente, de um Santiago, Santiago Nasar.
Para além da literatura, do realismo mágico, temos, no Brasil, nos últimos tempos o realismo trágico. Uma sucessão de violências sejam elas no conteúdo do discurso desqualificando o adversário e transformando-o em inimigo, seja a violência física, com jovens assassinados - nos bairros nobres ou nas periferias -, a violência policial, a violência dos manifestantes que, desde junho de 2013, parece ser a tônica dos novos tempos, de uma sociedade reticular, de protestos sem agenda ou lideranças definidas. Na Rede, na Internet, a violência simbólica pulula cotidianamente, com xingamentos, com rótulos aos que não pensam como pensamos (vide os famigerados: “esquerda caviar”, “coxinhas”, “petralhas”, etc.). Não é à toa que tenhamos um discurso e um protesto raivoso. Liga-se a morte do cinegrafista aos Black Blocs que, no Rio de Janeiro, protestavam, junto a outros manifestantes. Na ocasião, foi usado um artefato que, após acesso, atingiu Santiago na cabeça. Ele tomba imediatamente, como tombam os jornalistas que são atingidos quando cobrem conflitos armados. Em São Paulo, no dia 25 de janeiro, um senhor teve seu Fusca incendiado, já que ousou ultrapassar - ao voltar do culto com sua família - de um “legítimo” bloqueio numa das vias da cidade. O carro foi destruído pelas chamas e a tragédia só não foi maior dado que a sua esposa e crianças conseguiram sair a tempo. Estas ações são ou não fadadas a gerar desgraças? Protestar é um direito, é certo. Contudo, recorrer à violência não é direito de ninguém. O recurso à violência é aceito em situações muito específicas, como, por exemplo, a legítima defesa. No mais, o monopólio da violência é elemento constituinte do Estado e, no nosso caso, democrático e assentado no Direito. Um dos jovens que, ao protestar e que manuseou o artefato explosivo, encontra-se preso, será julgado. No âmbito desta história de desgraça para uma família que teve uma vida bestialmente arrancada aparecem no enredo advogados, membro do Poder Legislativo do RJ e até personagens da “Terra do Nunca”. A dimensão política da tragédia já está, claramente, sendo explorada e caberá a Justiça investigar e apontar as responsabilidades. Ou cremos na Justiça ou voltaremos ao Estado de Natureza hobbesiano.
A vida que se foi vai deixar a saudade nos familiares, nos amigos. Não morreu Santiago, morremos todos nós um pouco. Toma forte golpe a democracia que se encontra acuada. Lembremos, sempre, que a violência não tem trazido nenhum resultado positivo, individual ou social. Quando a força do argumento perde lugar para o argumento da força resta-nos a sensação de desamparo, de medo, de impotência. Sejamos fortes para resistir e que encontremos no diálogo e não na violência a saída para nossos problemas. Que Santiago descanse em paz, pois sua família jamais conseguirá.
*Rodrigo Augusto Prando é bacharelado e licenciado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia pela Unesp, FCL, Araraquara. Professor e Pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie, do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas.