Ao ligar ao rádio e sintonizá-lo na Aldeia FM, comecei a ouvir uma canção que dizia: “Puxa a cadeira e senta, conversa com um velho amigo”. Trata-se da primeira frase contida na letra de “Falsa alegria”, canção do acreano Sérgio Souto. Com esse gatilho musical, comecei a refletir sobre como é importante papear com alguém, independente do assunto.
Nesse momento eu estava em casa, preparando um café. No vai e vem da colher no bule, me veio a filosofia de que o simples ato de conversar com alguém é repleto de significados e sentimentos, principalmente agora com a pandemia do coronavírus, em que temos que resguardar a nossa saúde e a do próximo, cumprindo as regras de isolamento social.
Quando caminho até o armário para pegar o pote que contém açúcar, desvio o meu olhar para a janela e percebo que, lá fora, muitas pessoas não dão a mínima bola para essas restrições. Sem máscaras, crianças correm, adolescentes praticam atividades esportivas, enquanto alguns adultos jogam palavras ao vento, como se nada estivesse acontecendo.
Incrédulo, adoço o café, ao mesmo tempo em que me questiono sobre o porquê desses comportamentos. Será que é falta informação? Porém, automaticamente me lembro de que antes de começar a música de Sérgio Souto, ouvi spots sobre o combate ao coronavírus. Imediatamente, veio uma chuva de memórias sobre os noticiários dos últimos meses, em que a pauta diária é a pandemia.
Continuei reflexivo, tentando compreender a realidade. Sei que atual normalidade é inconveniente e angustiante, pois somos seres sociáveis, por mais antissocial que alguém possa se declarar. Entretanto, praticar alguns hábitos da nossa antiga rotina, por mais libertador que pareça, tornou-se uma “falsa alegria” – como o título da música de Souto.
“Agora a lua está boa para se cantar, pega o violão, dedilha um samba enquanto eu afino o coração”. Com esse verso, a mencionada canção acionou os arquivos das minhas lembranças e certificou-me de que os melhores encontros quase sempre são acompanhados de boas músicas, ao lado de pessoas especiais.
O aroma do café está em todo o ambiente, assim como a constatação de que esse chacoalhão pandêmico está revelando muitas questões outrora supérfluas, mas que, na verdade, compõem o combustível do nosso motor vital.
Gargalhei, pois na sequência desse pensamento, me veio a certeza de que a fórmula da minha felicidade contém cafeína, com algumas gotículas de música, política e futebol. Opa, vejo uma elevação dentro do bule. Desligo o fogão. O café está quase pronto.
Coei, enchi garrafa e fui escolher uma caneca para me servir. Sentei na cadeira e, antes da degustação, olhei novamente para a janela. Fiquei por alguns minutos contemplando o pôr do sol. Saí desse mantra quando o celular emitiu o alerta de mensagem. Infelizmente a notícia era ruim.
Um amigo acabara de falecer. Mais uma vítima da Covid-19. Fiquei em choque. Mesmo assim, tive forças para compartilhar a triste informação com amigos próximos. Pude vivenciar, então, um pouco da dor que aflige os familiares das mais 250 pessoas que já morreram em decorrência do coronavírus no Acre.
Já era noite. Ainda abalado, decidi me alimentar, motivado não pela fome mas sim por causa de um remédio de uso contínuo. Confesso que, ao tomar meu doce café, senti apenas o gosto amargo de perder um amigo.
Eis que decido aumentar o volume do rádio e começa a tocar uma linda música italiana, a minha preferida por sinal, de Aleandro Baldi, interpretada por Renato Russo, chamada “Passerà”, que aconselha a sermos fortes, pois qualquer aflição da vida, em algum momento, passará.
Sua melodia e versos me trouxeram conforto e, assim como a música anterior, abriram novamente as portas das percepções e filosofias. Porém, isso é assunto para o próximo café. Cuidem-se.