*Aurélio Melo
No dia de São Valentino ou Valentine’s Day ou, ainda, no Dia
Internacional do Amor, comemorado em vários países no dia 14 de fevereiro, cabe
à pergunta: afinal, o que é o amor?
Filósofos, poetas, psicólogos já tentaram explicar, cada qual ao seu
modo, o amor. Para os gregos antigos, havia três formas de amor: o amor
incondicional como o de Jesus pelo próximo (ágape); o amor por aqueles a quem
estimamos, “possuímos”, os mais próximos de nós como os filhos, familiares
(filia); o amor pelo que não possuímos, pelo que nos falta e, por isso mesmo
amamos – ou, desejamos – (eros). Este último talvez seja o mais popular dos
amores, o mais inspiradores dos poetas.
O amor também foi tema do romantismo no século XIX. O amor romântico,
como é conhecido hoje, é a forma mais divulgada nos filmes e novelas
televisivas e tem suas nesse movimento literário, sendo modificado,
posteriormente, pela indústria do entretenimento. O filme “Titanic”, sucesso de
público nos anos 1990, é um bom exemplo da concepção romântica que paira sobre
o senso comum nos dias atuais e, ainda agrada muita gente, inclusive das novas
gerações. Mas que se perdeu em muito da concepção de amor do movimento
romântico do século retrasado. Além disso, as novas gerações (Y e Z) buscam
novas formas de relação, permeadas pelo interesse imediato e pela relação sem
compromisso e de tempo breve.
Na modernidade líquida – conceito do sociólogo polonês Z. Bauman – as
relações pessoais tendem a ser efêmeras e de interesse mútuo porque a
velocidade dos acontecimentos obriga as pessoas a não se demorarem em tudo que
fazem, inclusive nos relacionamentos. Há um desejo pelo novo: trocar o carro
atual por um mais novo, trocar os móveis do armário (mesmo em bom estado) por
armários novos e, até, novos relacionamentos...
Estamos em tempo de amor líquido. Amores transitórios e que não
comprometam a “carreira” individual dos amantes. No amor romântico, amar era
semelhante a enlouquecer. Isto é, cometer loucuras, transcender convenções
sociais e qualquer forma de razão. Matava-se ou morria-se de amor.
Contrariavam-se as vontades das famílias dos amantes. Hoje as individualidades
estão em alta. Hoje, o amor a si mesmo é a forma de amor que está na moda. É o
amor de Narciso. E “Narciso acha feio o que não é espelho”, disse Caetano. Como
amar somente a si mesmo? Nêmesis, deusa da justiça ou, mais precisamente, deusa
da vingança, castigou Narciso a amar um amor impossível: amar a si mesmo. Na
atualidade essa forma de amor tornou-se sinônimo de segurança, potência,
sucesso. Para Freud o indivíduo torna-se um adulto sadio quando aprende a amar
o outro, quando renuncia a certos aspectos de si para irem busca do outro,
vivenciando plenamente a intimidade. O indivíduo narcísico não ama a si, mas a
uma imagem de si, como no mito grego de Narciso. Essa é a grande e sutil
diferença.
Recomendo também uma definição nada romântica de amor em “A balada do
café triste e outras histórias” (ed. José Olympio, 192 págs.,), da escritora
norte-americana Carson McCullers: “Antes de mais nada, o amor é uma experiência
conjunta entre duas pessoas, mas o fato de ser uma experiência conjunta não
significa que seja uma experiência semelhante para as duas pessoas envolvidas”.
*Aurélio Melo é psicólogo, doutor em psicologia do
Desenvolvimento pela USP e professor do curso de psicologia da Universidade
Presbiteriana Mackenzie.